quarta-feira, 11 de março de 2015

Por que ainda existe intolerância religiosa na universidade?

Alunos de diversas partes do Brasil calam-se diante de constrangimentos, pois temem não concluir a graduação

Por Cinthia Meibach



A universidade não é apenas um lugar de aprendizado, mas também de debates e de troca de conhecimentos. É comum temas polêmicos serem discutidos, a exemplo do homossexualismo, do racismo e dos direitos das minorias. No entanto, quando o assunto é fé e religião, nem sempre existe uma sensibilidade por parte de alguns educadores para tratar do assunto sem ofender o aluno que pertence a uma denominação cristã, por exemplo. Estudantes de universidades de todo o Brasil ainda sofrem frequentemente com as atitudes de intolerância religiosa e têm de suportar assédio moral daqueles que deveriam ser os primeiros a combater esse tipo de preconceito: os professores.

Um exemplo é o do estudante cristão Paulo Olialvik, de 24 anos, que cursa o sexto semestre de jornalismo e reside em Belém (PA). Ele conta que cansou de ouvir nas aulas de um dos docentes da universidade frases como “você está perdendo o seu senso crítico”, “pastores manipulam os fiéis e são ladrões”, entre outros comentários ofensivos aos líderes da igreja que Paulo frequenta. Mesmo sabendo que as palavras eram direcionadas a ele, o rapaz preferiu sofrer calado e garante que vai manter essa postura até o final do curso.

Outra situação semelhante aconteceu com o perito em avaliação imobiliária Adilson de Lima, de 34 anos, enquanto cursava a faculdade de direito, em São Paulo. Ele lembra que durante uma aula de sociologia, o professor comentou que “abrir uma igreja hoje em dia é um bom negócio, pois dá dinheiro”, o que provocou gargalhadas nos alunos. “Eu também optei por ficar calado, pois sabia que ele era a ‘parte mais forte’ lá dentro e, por isso, não queria me indispor com ele. Mas não consegui disfarçar o meu constrangimento e nervosismo”, desabafa.

Para a jornalista de ciência e meio ambiente, professora dos cursos de jornalismo e relações públicas e coordenadora do Centro Interdisciplinar de Pesquisa da Faculdade Cásper Líbero, de São Paulo, Cilene Victor, o primeiro passo para que situações como essas não se repitam está no entendimento do professor de que a sala de aula é lugar de compartilhamento de conhecimentos e não apenas da transmissão deles. “Um mundo verdadeiramente mais rico, do ponto de vista cultural, deve preservar a pluralidade. O fato de o meu repertório ser diferente do seu não significa dizer que o meu seja superior ao seu. Há aqui uma palavra-chave: tolerância, seja ela religiosa, política ou cultural”, aconselha.

Essa tolerância não existe por parte de um dos professores da estudante de jornalismo Danielle Dias, de 20 anos. Ela conta que nem mesmo na hora do intervalo está livre de ser criticada pela fé que professa. “Estava lendo o livro Nada a Perder 2, do Bispo Edir Macedo, e um professor me perguntou que livro era aquele. Quando mostrei a capa, ele disse ‘eca’ e meneou com a cabeça em reprovação”, lembra.

Por medo de retaliação, os alunos entrevistados não quiseram que o nome da instituição de ensino fosse divulgado, pois temem ser prejudicados.

De acordo com o advogado criminalista Pedro Ragassi Jr. é justamente por existir esse temor que os autores de constrangimento ainda ficam impunes. “O aluno ou qualquer outra pessoa que se sinta ofendida tem o direito de registrar um boletim de ocorrência em alguma delegacia de polícia ou procurar auxílio diretamente no Ministério Público, para que os fatos sejam apurados e os autores da discriminação sejam responsabilizados. Nesses casos normalmente são aplicadas as disposições da Lei 7.716/89, popularmente conhecida como ‘Lei Caó’, que prevê punição à intolerância religiosa”, diz, lembrando que o aluno também pode fazer uma denúncia anônima no número 181.

O advogado ainda alerta que o professor deve ficar atento para não confundir liberdade de expressão com o ato de constranger. “Uma coisa é transmitir um estudo científico e outra coisa é atrelar a ele uma opinião com a intenção de injuriar determinada pessoa em função de sua crença religiosa”, afirma.


A professora Cilene vai além: ela acredita que as opiniões ofensivas não devem ser emitidas pelo professor nem sequer nas redes sociais. “Não ‘pega bem’, por exemplo, um professor ridicularizar uma determinada religião em um perfil do Facebook e no dia seguinte entrar em sala de aula sabendo que encontrará alunos daquela religião. Ainda que seja uma autocensura, partimos dela para a construção de uma convivência mais respeitosa, reconhecendo e tolerando o caráter plural de nossa sociedade”, opina.

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