sexta-feira, 11 de dezembro de 2009

O Sonho dentro do ônibus

Pela manhã, a caminho do trabalho, dentro do ônibus, dei uma pausa no livro que lia e comecei a observar as atitudes das pessoas que estavam ao meu redor. Sentada ao meu lado uma senhora devorava uma esfiha de carne junto com um suco de laranja, o cheiro estava tão apetitoso que fiquei até com vontade de pedir um pedaço, mas me contive. Paralela a mim, uma jovem com o uniforme de uma empresa abria seu estojo de maquiagem e, em questão de minutos, dava adeus as olheiras e semblante cansado com a ajuda amiga da base, pó facial, lápis (sim, ela passou o lápis com o ônibus em movimento), rímel e o indispensável batom. Na frente da jovem, já maquiada, um senhor folheava o jornal do dia e lia com bastante atenção o caderno de economia, enquanto ao lado dele, encostado na janela, um rapaz dormia tão profundamente que a boca dele estava meio aberta, parecia até que estava sonhando. Percebi que todos que estavam ali, incluindo eu, faziam algo que não conseguiram realizar em casa porque, provavelmente, não tiveram tempo para tais atividades.
O café da manhã em família, como vemos nas novelas da Globo ou nos comerciais de margarina estão ficando somente na ficção da maioria das pessoas modernas. O descanso recomendado por especialistas para uma boa recuperação do corpo, 8 horas de sono, é luxo para muitos, bem como se maquiar em casa ou separar meia hora para a leitura de notícias em um periódico ou para a leitura de um livro. Atitudes que dispensariam pouco mais de meia hora por dia para serem feitas tranquilamente, atualmente, acontecem dentro do ônibus ou no carro, entre um ou outro farol fechado, porque a vontade do ser humano, sem que ele se dê conta, deixou de estar sob seu comando e passou a ser manipulada pela obrigação de alcançar o sucesso financeiro e profissional, nem que para isso seja necessário abrir mão do lazer, da família, da própria saúde ou de coisas simples da vida como citadas acima.

A pós-modernidade trouxe muitos recursos tecnológicos que facilitaram a vida humana, mas ao mesmo tempo fez do homem uma máquina de trabalho, com cobranças dos outros e dele próprio, que o priva de desfrutar momentos únicos com sua família, seus amigos e até com ele mesmo. As consequências de tamanha produtividade nem sempre são as esperadas e positivas, mas traz ao ser humano doenças psicossomáticas e distúrbios, como depressão, síndrome do pânico, trabalho compulsivo, obesidade e outros sintomas que no passado eram poucos relatados entre aqueles que viviam sem tanta informação e recursos encontrados nos dias de hoje.
Talvez seja por isso que quando tem um feriado a primeira coisa que muitos fazem é tentar escapar de suas rotinas diárias, buscando refúgio em locais desertos ou afastados como campos e praias longe de qualquer tipo de aparelho eletrônico ou informações, como se inconscientemente esses lugares os levassem para fora da prisão agitada em que vivem e por alguns momentos eles pudessem ter a sensação de retornar às suas origens pré- modernistas, tempo no qual a vida era realmente vivida. Será que não era esse o sonho daquele rapaz que dormia tão profundamente encostado na janela do ônibus que eu estava? Acho que essa pergunta vai ser difícil de responder, pois vou ter que esperar que o acaso me coloque no mesmo ônibus que ele novamente para poder perguntar.